QUEM VIVER VERÁ
O viver humano com sua liberdade de ser e estar no mundo, perfaz, a partir dos dons recebidos de Deus, uma somatória de sim ou de não desses dons, que culmina, com a morte temporal e o último ato de sua liberdade, na aceitação ou não de Deus por toda a eternidade. Em outras palavras, tudo o que pensamos, sentimos, falamos e vivemos é um sim ou um não que damos a Deus a cada instante de nosso existir. Porque é bem aqui, nesse nosso chão, que definimos como será a nossa eternidade, e nenhum de nós pode ficar fora disso.
Alguém, então, poderá argumentar: ora, por que existo, se somente depois de existir é que entendo isso? É que a vida natural em si e por si mesmo não é; ela só o é em vista do devir a partir dos dons recebidos; todos esses dons são bons e apontam para sua plenitude eterna, porque o que ora em nós é dom humano, com seu cultivo e em sua plenitude será atributo divino; e quem nos capacita para isso é Deus que nos deu o seu Filho Jesus como modelo perfeito a ser seguido; e nos deu também o seu Espírito Santo para vivermos neste mundo como seus filhos e filhas, em total obediência, isto é, em total dependência sua, porque só somos livres de verdade quando agimos a partir da Liberdade Divina.
A falta do cultivo dos dons de Deus é o que chamamos de perversão, perdição, distorção, infelicidade, etc. E tudo isso é traduzido pela palavra pecado. O pecado é uma negação dos dons de Deus em nós e como consequência, negação do próprio Deus. O ser humano em estado de pecado mortal definha para o caos, porque vai perdendo gradativamente o contato com a Fonte Divina que o gerou; e passa a beber da escória do mal, que lhe oferece somente aquilo que lhe entorpece e nunca satisfaz, levando-o para o que há de mais baixo da sua condição, a dependência mortal.
Uma alma impregnada de maldade vive a triste realidade de ser e estar sem Deus, gerando em si um ódio mortal à si mesmo e à tudo o que há de mais sagrado, desde a humana criatura às demais criaturas e ao próprio criador. Mesmo assim, em seu infinito amor, Deus ainda está ali como que tenuemente, num último esforço de salvação, por meio do dom do arrependimento, que é o último dom que o ser humano recebe, como graça capaz de libertá-lo do mal a que se prendeu e voltar para os braços de Deus como o filho pródigo da parábola.
Isto compreendemos ao ouvirmos Jesus no Evangelho de São Lucas: “[O filho mais novo], levantou-se, pois, e foi ter com seu pai. Estava ainda longe, quando seu pai o viu e, movido de compaixão, correu-lhe ao encontro, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou. O filho lhe disse, então: Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Mas o pai falou aos servos: Trazei-me depressa a melhor veste e vesti-lha, e ponde-lhe um anel no dedo e calçado nos pés. Trazei também um novilho gordo e matai-o; comamos e façamos uma festa. Este meu filho estava morto, e reviveu; tinha se perdido, e foi achado. E começaram a festa”. “Digo-vos que assim haverá maior júbilo no céu por um só pecador que fizer penitência do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento”. (Lc 15,20-24.7).
Caríssimos irmãos e irmãs, a vida humana na atual situação em que se encontra está por um fio, mas não somente a vida humana como também toda a natureza que a circunda e de quem, naturalmente, ela depende; de fato, há uma espécie de “mistério da iniquidade” que ao que parece não nos quer deixar viver; e isto fica evidenciado nas mais diversas formas de pecados que se alastra sobre a face da terra. O ser humano não respeita mais nada; parece que perdeu todos os dons que recebeu de Deus e por isso não sabe pra onde ir ou o que fazer para que a vida volte ao seu equilíbrio natural; pode até saber o que fazer, mas o cultivo da maldade é tanta e em tamanha escala que toda e qualquer iniciativa de volta à Deus é interpretada como uma ofensa, capaz das mais terríveis punições, até mesmo da morte.
Realmente, estamos vivendo numa batalha espiritual tremenda e aqueles que querem viver dignamente neste mundo, como Jesus viveu e nos ensinou a viver, de fato, passam por diversas provações, isto porque a verdade, a honestidade, a justiça, o temor e a fé em Deus, parece que ficou no passado e o resultado é tudo isto que está ai: uma sociedade apodrecida, violenta, mergulhada em toda espécie de vícios, perdida em todos os sentidos do existir; é, sabemos ainda o que é ética e dignidade, mas só como conceitos, porque os efeitos do abandono da vontade de Deus à nosso respeito é evidente; por isso, somente uma verdadeira conversão em massa pode nos libertar da destruição final que está prestes acontecer.
Será que há tempo ainda? Será que haverá essa espécie de conversão ou a destruição é inevitável? Quem viver verá...
Paz e Bem!
Frei Fernando,OFMConv.
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