A LEI PERFEITA DA
LIBERDADE
Existem duas
maneiras da alma humana ser penetrada, cursada e exposta em seu mistério. A
primeira é a permanência na Verdade que a criou e sustenta, desta permanência
nasce seu gozo e testemunho; fora disto ninguém a pode penetrar, a não ser que ela
ceda ao mal a liberdade que a verdade lhe dá. A segunda diz respeito exatamente
a essa sedição, ou seja, à insurreição, que consiste na aceitação da mentira e
prática dela; quando isso acontece, a alma se ensoberbece e perde sua comunhão
com Deus; assim, ela enfraquece e mergulha em um estado mórbido por causa das
lascívias que a envenena; e só é possível sair daí pelo arrependimento sincero e
conversão à Fonte da Verdade que a criou, Deus.
Escrevendo aos
Romanos, São Paulo, assim se expressou: “Os que vivem
segundo a carne gostam do que é carnal; os que vivem segundo o espírito
apreciam as coisas que são do espírito. Ora, a aspiração da carne é a morte,
enquanto a aspiração do espírito é a vida e a paz. Porque o desejo da carne é
hostil a Deus, pois a carne não se submete à lei de Deus, e nem o pode. Os que
vivem segundo a carne não podem agradar a Deus. Vós, porém, não viveis segundo
a carne, mas segundo o Espírito, se realmente o Espírito de Deus habita em vós.
Se alguém não possui o Espírito de Cristo, este não é dele. Portanto, irmãos,
não somos devedores da carne, para que vivamos segundo a carne. De fato, se
viverdes segundo a carne, haveis de morrer; mas, se pelo Espírito mortificardes
as obras da carne, vivereis, pois todos os que são conduzidos pelo Espírito de
Deus são filhos de Deus”. (Rom 8,5-9.12-14).
Ora, a respeito da
queda e perca da liberdade humana, lemos no Livro do Gêneses, o seguinte: “A serpente era o mais astuto de todos os
animais dos campos que o Senhor Deus tinha formado. Ela disse a mulher: É
verdade que Deus vos proibiu comer do fruto de toda árvore do jardim?” A mulher
respondeu-lhe: Podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da
árvore que está no meio do jardim, Deus disse: Vós não comereis dele, nem o
tocareis, para que não morrais.” “Oh, não! – tornou a serpente – vós não
morrereis!” Mas Deus bem sabe que, no
dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses,
conhecedores do bem e do mal.” (Gen 3,1-5). Assim, por esse texto da revelação,
percebemos como o mal injetou o seu veneno da desobediência na alma humana, e
como nossos primeiros pais perderam sua liberdade e nos transmitiram a mesma
perda.
Geralmente quem se
entrega ao pecado não mede, antes, as consequências dos seus atos, e o
resultado que se segue é sempre catastrófico, nefasto; porque não age conforme
a graça de Deus em sua vida, mas a partir do pecado que o atrai e alicia, e o
pecado uma vez consumado, gera a morte (cf. Jo 8,34; Tg 1,15). De fato, Deus
nos deu o livre arbítrio, que significa o poder que temos de decidir pelo bem e
não pelo mal. Ocorre que muitos perdem esse poder, porque se deixam conduzir
pelos instintos carnais, e não pelo Espírito Santo de Deus.
Nós, porém, podemos
reverter esse trágico quadro em nossa vida, por meio da conversão espiritual,
que consiste no arrependimento, confissão e perdão dos pecados para vivermos em
estado de graça; pois uma alma em estado de graça permanente é intocável pelo
mal, porque a luz do Espírito de Deus que nela habita, dissipa as trevas do
pecado e o espírito maléfico que se esconde no pecado.
São João bem nos
ensinou a nos livrarmos do espírito das trevas, quando nos exortou: “Não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Se
alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai. Porque tudo o que há no mundo
– a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida –
não procede do Pai, mas do mundo. O mundo passa com suas concupiscências, mas
quem cumpre a vontade de Deus permanece eternamente”. (1Jo 2,15-17).
Com efeito, Deus
não apenas nos criou, mas também nos ensinou a viver conforme sua vontade e
permanecermos Nele, por meio das leis naturais e de seus Mandamentos expressos
nas Sagradas Escrituras; também por meio dos exemplos dos Patriarcas, dos
profetas, do Seu Filho, Jesus Cristo, e de todos os santos que o seguiram,
especialmente a Virgem Maria, Mãe do Senhor e nossa mãe. Porém, constatamos que
a grande maioria não leva em conta as orientações que Deus nos dá nas Sagradas
Escrituras e nesses exemplos (cf. Mt 7,13-14); por isso, caem nas armadilhas do
mal e na perdição eterna. De fato, “Toda
a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para
corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se torna perfeito,
capacitado para toda boa obra”. Todavia, quem faz das Sagradas Escrituras
sua via de perfeição? Somente aqueles que temem o Senhor de coração e buscam se
orientar pelos seus preceitos.
Eis o que São Paulo
escreveu a esse respeito: “Também eu,
quando fui ter convosco, irmãos, não fui com o prestígio da eloquência nem da
sabedoria [humana] anunciar-vos o testemunho de Deus. Julguei não dever saber
coisa alguma entre vós, senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado. Eu me
apresentei em vosso meio num estado de fraqueza, de desassossego e de temor. A
minha palavra e a minha pregação longe estavam da eloquência persuasiva da
sabedoria; eram, antes, uma demonstração do Espírito e do poder divino, para
que vossa fé não se baseasse na sabedoria dos homens, mas no poder de Deus”
(1Cor 2,1-5).
São Paulo nos
deixou ainda outro legado perfeito, verdadeiro itinerário espiritual, para
termos um discernimento preciso da vontade de Deus em nossa vida, quando
escreveu: “Eu vos exorto, pois, irmãos,
pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo,
santo, agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual. Não vos conformeis
com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que
possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o
que é perfeito”. (Rom 12,1-2). “Além
disso, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é nobre, tudo o que é justo,
tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, tudo o que é
virtuoso e louvável, eis o que deve ocupar vossos pensamentos. O que
aprendestes, recebestes, ouvistes e observastes em mim, isto praticai, e o Deus
da paz estará convosco”. (Fil 4,8-9). Desse modo, cabe a nós seguirmos tais
orientações, para que assim vivamos intimamente tudo o que Deus nos dá a ser e
praticar de sua vontade neste mundo.
Portanto, como
vimos a perca ou não da liberdade resulta de nossas escolhas e decisões. Pois,
em todas elas há sempre um resultado; por parte da verdade seu resultado é a
liberdade conservada e fortalecida (estado de graça perfeito); por parte da
mentira, a alma se torna amarga, imbecilizada, exposta às paixões desordenadas
e a toda espécie de desiquilíbrio, que afasta os homens do convívio com Deus e com
os outros, e os mergulha na incredulidade e nas mais diversas perversões. Não
se esqueçam, por trás de todo pecado se esconde o demônio.
Destarte, “Não procureis a morte por uma vida
desregrada, não sejais o próprio artífice de vossa perda. Deus não é o autor da
morte, a perdição dos vivos não lhe dá alegria alguma. Ele criou tudo para a
existência, e as criaturas do mundo devem cooperar para a salvação. Nelas
nenhum princípio é funesto, e a morte não é a rainha da terra, porque a justiça
é imortal. Mas, (a morte), os ímpios a chamam com o gesto e a voz. Crendo-a
amiga, consomem-se de desejos, e fazem aliança com ela; de fato, eles merecem
ser sua presa”. (Sab 1,12-16).
Paz e Bem!
Frei Fernando
Maria,OFMConv.
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